top of page
Foto do escritorFoco TCC

O padrão excessivo de cobrança

Atualizado: 17 de fev. de 2022

No momento presente, mesmo em um cenário com fortes fatores estressores proporcionados pandemia de Covid, muitas pessoas apresentam uma sensação de cobrança muito intensa para performar e produzir com a mesma intensidade de antes. A cobrança excessiva desencadeia um estado de alerta constante, sentimentos de apreensão, nervosismo, angústia, em função de constantes pensamentos automáticos do tipo “tenho que...”.

Após não atender as expectativas elevadas impostas vem a sensação de impotência, frustração, com um misto de sentimentos tristeza, culpa, raiva, muito em função dos pensamentos “deveria...”, distorcendo a avaliação acerca do grau de responsabilidade que o sujeito acha que tem para controlar variáveis e fazer com que as coisas aconteçam da forma como gostaria. Pacientes com padrão excessivo de cobrança se esforçam para cumprir regras rígidas internalizadas com relação ao próprio desempenho, dificultando o relaxamento, os cuidados com a própria saúde, a expressão de sentimentos agradáveis e os relacionamentos íntimos. Isto pode acontecer em diversos cenários e papéis: ser um bom funcionário, ser um bom pai ou uma boa mãe, ser um bom estudante etc.


Nem mesmo as crianças estão livres destes sentimentos intensos e desagradáveis. Brené Brown muito bem aponta no livro “A coragem de ser imperfeito” que as frases que ela mais ouve das pessoas que sofrem com sintomas depressivos /ansiosos é: “não sou ou não tenho .... suficiente”.


Além da pressão por resultado e a insatisfação com o fator tempo, outro conceito que tem sido bastante abordado recentemente é o fenômeno impostor. Há pessoas que, mesmo com um histórico de sucesso, têm convicção de que são uma farsa, que à qualquer momento irão perceber que não são tão bons quanto os outros dizem. Albert Ellis e Aaron Beck sempre enfatizaram que não são apenas as situações por si que ativam os nossos sentimentos e comportamentos. A forma como interpretamos as situações influencia nas emoções e ações compatíveis aos pensamentos ativados. Além dos pensamentos “deveria...” e da personalização, Beck também destaca a desqualificação do positivo (ex.: “não fiz mais do que minha obrigação”; “qualquer um seria elogiado ao realizar esta tarefa”) e a visão em foco (ex.: “ este detalhe poderia ter sido melhor”) como sendo distorções cognitivas frequentes em clientes com este perfil. Estes pensamentos estão diretamente associados às crenças centrais, que por sua vez, são estabelecidas principalmente a partir das experiências iniciais de nossas vidas.


Clientes que se cobram em excesso costumam apresentar crenças de desvalor, como, por exemplo, “sou um fracasso”. Sendo assim, há regras, atitudes e suposições que seguem no dia a dia: “tenho que dar conta de tudo sempre”; “tenho que fazer tudo perfeito, senão irão me avaliar mal”; “se eu disser que não consigo/posso, irão pensar que sou fraco”; “se eu relaxar/descansar e não conseguir o resultado esperado, a culpa será toda minha”.


Na clínica, ao atender clientes que se cobram em excesso, perceba que no processo de avaliação e conceitualização do caso nos deparamos com alguns cenários comuns. Estes sujeitos costumam relatar memórias da infância nas quais houve:


1) Pais/educadores extremamente exigentes, supervigilantes e inibidores;


2) Convivência com pessoas que se cobravam em excesso: priorizavam cumprir com obrigações, eram perfeccionistas (modelação) e/ou ;


3) Dificuldades extremas, que os fizeram internalizar ideias como “eu tenho que dar certo”, “não posso contar com ninguém”. Interessante observar que alguns clientes podem nos dizer em sessão: “eu não consigo acessar o que eu penso na hora”, “eu repito este padrão, não sei por que”, “diante da situação X ativo este comportamento de forma automática”. É como se estivessem presos em um labirinto sem saída, insatisfeitos por voltarem ao mesmo lugar.


Nestes casos, além de explicar quais são as crenças disfuncionais e como se dá ativação das mesmas, é importante o terapeuta entender também o que Jeffrey Young nos fala a respeito do esquemas iniciais desadaptativos.


Uma pessoa que desenvolveu o esquema do padrão excessivo de cobrança, diante de uma situação gatilho (ex.: iniciar um novo projeto, receber um pedido para um trabalho extra, realizar uma apresentação aos superiores, fazer escolhas/planos futuros, iniciar parceria com alguém) pode apresentar diferentes respostas de enfrentamento.


1) Na resignação não há resistência - o indivíduo segue o sofrimento emocional e age de maneira a confirmar o esquema. Exemplo: investe muito tempo tentando ser perfeito ou se sobrecarrega com horas extras de trabalho/estudo;


2) No caso da evitação, a pessoa evita entrar em contato com situações (ou mesmo com

pensamentos) que iriam ativar o padrão excessivo de cobrança. Exemplo: evitar entrar em novos projetos, porque entende que não tem controle sobre todas as variáveis, ou evitar atividades coletivas, pois terá que dividir tarefas e seu desempenho será avaliado;


3) Já na hipercompensação há uma tentativa de lutar/romper com o esquema, mas gera também sentimentos intensos e desagradáveis. Exemplo: abandonar momentaneamente todas as obrigações assumidas que o consumiam ou, por um momento, não se importar com os padrões e entregar de forma apressada e descuidada.


Outro aspecto importante a ser trabalhado é o criticismo. Paul Gilbert nos ensina a diferenciar autocrítica de criticismo. Autocrítica é uma virtude: parar, observar, reconhecer um erro/falha, tentar reparar danos e se imaginar agindo de uma forma diferente em uma situação semelhante no futuro. Entretanto, o criticismo é um problema que afeta muito a saúde mental: a pessoa revisita com frequência situações passadas nas quais entende que cometeu um erro/falha, comporta-se mentalmente neste lugar - ruminando pensamentos com verbos conjugados no pretérito imperfeito - e ativa sentimentos/sensações físicas desagradáveis como se estivesse lá.


Clientes com padrão excessivo de cobrança precisam ter um espaço dedicado ao desenvolvimento da autocompaixão e, inclusive, podem transpor atitudes mais compassivas na relação com os outros.


A depender do perfil do cliente, podemos recomendar leituras que explorem temas atrelados à autocompaixão e que favoreçam maior ativação do estado mindfulness, aceitação e reestruturação cognitiva.

Há diversos filmes que podem ajudar a explorar o tema. Apenas precisamos tomar cuidado ao fazer a escolha, porque muitos filmes hollywoodianos contam histórias com longo percurso de grande sofrimento para, ao final, haver a “redenção”. Alguns clientes podem erroneamente querer justificar o padrão excessivo de cobrança, reforçando a ideia de que na vida precisamos sofrer muito para sermos dignos do “sucesso”.


Alguns bons filmes, mais conhecidos pelo público em geral, como: “O diabo veste prada”

e “Amor sem escalas”, funcionam bem para promover debates em terapia. Eu recomendo muito o filme “Questão de tempo”, filme de drama que nos leva a uma bela reflexão sobre os pensamentos “tenho que” e “deveria”. Para quem gosta de seriados, super recomendo a série vencedora do emmy “This is us”. Acompanhe o personagem Randall, brilhantemente interpretado por Sterling Brown (vencedor do emmy de melhor ator).

Claramente este personagem apresenta os esquemas de padrão excessivo de cobrança e autossacrifício. É possível entender como surgiram, se ativam e se mantêm, e como se dão os estilos de enfrentamento do padrão excessivo de cobrança. Vejam também o excelente documentário “Em busca de bem estar”. Um argentino, que apresenta um perfil ansioso e características do esquema do padrão excessivo de cobrança, recebe e guia o monge budista Matthieu Ricard em uma viagem para conhecerem as belas paisagens da Patagônia. Há interessantes diálogos e práticas, que nos trazem muito aprendizado sobre aceitação, mindfulness e desapego.


Autor: Rafael Thomaz

Doutor em saúde mental pela UFRJ

Diretor do FOCO -Instituto Carioca de TCC

 


Referências:

- Brown, B. (2013). A coragem de ser imperfeito. Rio de Janeiro: Sextante.

- Clark, D.; Beck, A. (2012). Terapia cognitiva para os transtornos de ansiedade.

Porto Alegre: Artmed.

- Gilbert, P. (2020). Terapia focada na compaixão. São Paulo: Hogrefe.

- Young, J; Klosko, J.; Weishaar, M. (2008). Terapia do esquema: guia de técnicas

cognitivo-comportamentais. Porto Alegre: Artmed.


*Imagem 2 do filme O Diabo veste Prada

Gif da Série This is us

Posts recentes

Ver tudo

2 Komentar


-me ajudou muito! obrigada! Ótimooo texto e explicação.

Suka

Excelente texto! 👏

Suka
whatsapp-logo-icone-1-1.png
bottom of page