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A prática do perdão

Atualizado: 27 de jul. de 2021

É muito comum na clínica chegarem ao consultório clientes relatando que passaram por uma grande decepção. Todos nós estamos sujeitos a sermos surpreendidos, em algum momento da vida, entendendo que fomos traídos, enganados, abusados. Por ser um espaço sigiloso e acolhedor, a dificuldade de perdoar é um tema comum dentro das sessões de psicoterapia.

Por definição, Ryan Niemic coloca que perdoar é aceitar as limitações do outro; dar uma segunda chance às pessoas; não ser vingativo.


Estudos científicos apontam que a prática do perdão favorece a saúde mental, não só porque traz um bem-estar momentâneo. Peterson e Seligman apresentaram correlatos positivos entre o perdão e sentimentos menos intensos de raiva. Apontaram ainda que pessoas que perdoam apresentam menores níveis de estresse, ansiedade e depressão. Além disso, seus comportamentos pró-sociais criam uma autoimagem positiva: os outros tendem a descrever como sendo uma pessoa amável. Circuitos cerebrais responsáveis pela empatia e emoções positivas são ativados quando ocorre o perdão.

Mas por que perdoar é tão difícil para muitas pessoas?

Quando passamos por uma situação que entendemos que foi uma traição, vivemos por um momento a dissonância cognitiva. A experiência vivida (traição) não é condizente o que se pensava a respeito da outra pessoa. Ou seja, há duas cognições inconsistentes, o comportamento observado e o conceito pré-estabelecido a respeito daquela pessoa. A magnitude da dissonância varia conforme a importância e discrepância entre as cognições. Por isso, quanto mais intensa for a “dor emocional”, mais importante será a variável tempo para que haja entendimento e aceitação.

O terapeuta cognitivo-comportamental pode auxiliar neste processo, favorecendo primeiramente maior entendimento e aceitação. Ser acolhedor e empático pode permitir maior abertura para o cliente falar sobre o assunto. Deve-se fazer perguntas para ajudar o cliente a entender melhor o que, como e por quê aconteceu. Não com o intuito de fazê-lo controlar mais o que está por vir, mas para assimilar que há muitas variáveis que não são controláveis por nós. O terapeuta pode também debater a importância de aceitarmos nossa vulnerabilidade: a ideia de que todos nós em algum momento podemos passar por uma adversidade como esta.

Como terapeutas cognitivo-comportamentais, levamos em consideração que a forma como interpretamos uma situação influencia de forma direta na emoção ativada e na intensidade da mesma. Se um indivíduo tem crenças enraizadas com conteúdo de desconfiança ou de menos valia, isso pode levá-lo a ativar sentimentos mais desagradáveis, intensos e duradouros. Algumas distorções cognitivas são mais comuns de serem ativadas diante de uma situação de traição/decepção e podem ser alvo de questionamentos e debates.


  • A tirania do deveria:

“Eu não deveria ter confiado tanto”

“Ele não deveria ter feito isso comigo”

“Ele deveria ter valores como os meus e ter me respeitado”


Essa expressão (tirania do deveria), abordada pela primeira vez pela psiquiatra americana Karen Horney, é também muito levada em consideração por Albert Ellis como possível fonte de sofrimento emocional. Diz respeito a uma ruminação de pensamentos de que eu ou o outro “deveria...” ou “não deveria...” ter feito ou ser algo. Ruminar verbos conjugados no pretérito imperfeito não ajuda. Pelo contrário, faz com que a pessoa revisite mentalmente uma situação que já passou e reviver sentimentos extremamente desagradáveis.

  • Personalização

“Eu fui traído(a) porque eu não sou uma pessoa atraente.”

“Eu sou ingênuo(a) demais, sempre permito ser sacaneado(a)”

“Tudo de ruim acontece comigo. Eu sou amaldiçoado.”


Neste caso a pessoa pode estar atribuindo a si mesma uma responsabilidade/ culpa excessiva por algo que aconteceu. Nessa distorção, a pessoa tende a atribuir de forma exagerada culpa a si mesma nas mais diversas situações que vive. Apresenta dificuldade para enxergar as variáveis outras (externas) que podem ter influenciado naquele acontecimento.

  • Hipergeneralização

“Ele(a) sempre me enganou. Era tudo uma mentira.”

“Ele(a) irá me trair de novo em qualquer oportunidade parecida.”

“Nenhuma pessoa é confiável.”


Nesta distorção cognitiva, a pessoa pega uma experiência vivida e a torna abrangente. Palavras absolutistas, do tipo: sempre, nunca, toda vez, aparecem no discurso. A pessoa resgata na memória um evento negativo e estabelece que irá acontecer novamente em qualquer contexto minimamente semelhante.

Além de auxiliar o(a) cliente a questionar pensamentos e elaborar melhor o que aconteceu, a prática do perdão pode envolver escolha. Algumas escolhas ativam o sentimento de angústia, tais como as relacionadas às dúvidas abaixo, por exemplo:

  • Manter ou não a relação amorosa com a pessoa que me traiu?

  • Manter ou não uma sociedade com a pessoa que quebrou minha confiança?

  • Manter ou não a amizade com alguém que me decepcionou?

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, perdoar NÃO envolve esquecer tudo, ter que obrigatoriamente retomar a relação ou ter que obrigatoriamente identificar um real arrependimento do outro. Afinal, há casos nos quais, por exemplo, a pessoa pode demonstrar arrependimento e voltar a agir de forma inadequada, chegando até mesmo ao ponto de se tornar uma relação de abuso.

O Terapeuta tem como papel auxiliar o cliente a não se “aprisionar” em memórias ruins e estimular a reflexão sobre:

  • O perdão ser um processo interno e não externo; não depende do outro.

  • A importância de sermos empáticos, entendendo que todos nós seres humanos podemos errar em algum momento e podemos ter uma segunda chance.

  • Os aspectos positivos e negativos do relacionamento; visando investigar se há ou não uma relação abusiva e tentar reduzir o sofrimento emocional no processo de escolha.

 

Texto elaborado por: Dr. Rafael Thomaz. Psicólogo clínico, professor e pesquisador.

 

Referências:

  • Gilbert, P. (2020). Terapia Focada na Compaixão. São Paulo: Hogrefe.

  • Niemic, R. (2017). Intervenções com forças de caráter. Associação Latino Americana de Psicologia Positiva. São Paulo: Hogrefe.

  • Goleman, D; Davidson, R. (2016). A ciência da meditação: como transforma a mente, cérebro e corpo.

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